23 janeiro 2006

SEJA ELA QUAL FOR, A VERDADE!

Lealdade.
A única coisa que cobro. Melhor dizendo, espero num relacionamento, seja ele qual for. Da minha mais recente amiga ao meu mais antigo caso.
ME CONTE A VERDADE. SEJA O QUE FOR. SEJA COMO FOR.
Não deixe que eu saiba pelos outros, numa fofoca qualquer.
Não deixe que eu me sinta enganada, traída.
Não minta pra mim.
Acredite quando digo que não quero você pra mim. É verdade! Me apaixonei por um cara livre, sem amarras. Não saberia amá-lo de forma diferente.
Não gosto de regras. Não as sigo nunca.
Gosto de ser louca e me sinto feliz assim.
Mas não deixe que eu descubra suas mentiras através dos meus próprios olhos. Não sou uma garotinha tola que está apendendo a viver.
Não me faça odiar você.
Não minta pra mim!

"SANTO ANJO DO SENHOR, MEU ZELOSO GUARDADOR. JÁ QUE A TI ME CONFIOU A PIEDADE DIVINA, SEMPRE ME REGE, GUARDA, GOVERNA E ILUMINA. AMÉM."

Queria ter comigo todas as lembranças da minha infância.
Dos meus primeiros meses de vida.
De uma época em que nada era mais importante ou real que o amor recíproco de uma família.
Sinto muita falta disso. De uma família no estilo mais tradicional que se conhece: com pai, mãe e filhos numa mesa animada de domingo. O filho mais novo se achando um injustiçado, o pai paparicando a única filha e a mãe correndo, colocando os últimos pratos na mesa.
Sinto falta dos esporros de um pai porque cheguei em casa duas horas atrasada. De uma mãe ouvindo minhas histórias intermináveis. De um irmão para implicar e brigar de vez em quando.
Minha mãe me criou pra ser independente.
As viagens que ela fazia para me dar o jantar ou as encomendas mensais que chegavam pelos Correios sempre eram um misto de frustração e ansiedade. Eu fazia qualquer coisa pra ela vir me ver: passava mal na escola, tinha febre, não comia. Depois de 10 horas de sintomas comprovados, lá estava ela. Linda, tocando a campainha ritimadamente. E eu corria praquele colo como se fosse minha tábua de salvação. Eu tinha três anos e já sentia solidão. Oito horas depois, eu já estava 'medicada' e ela pegava sua bolsa, arrumava tudo, me dava o jantar, me colocava pra dormir e ia embora. Enquanto eu chorava baixinho até amanhecer o dia.
Foi nessa época em que meu pai se matou. Eu ia fazer quatro anos quando o vi pela última vez. Não lembro do seu rosto e nas poucas fotos que tenho, ele me soa como um estranho. Lembro que o encontrei no portão de casa. Ele tinha nas mãos uma boneca azul de borracha a quem chamei 'Mariazinha'. Não sei se ele me beijou ou me pegou no colo. Não consigo lembrar.
Dois meses depois, ele atravesssou a Avenida Brasil completamente bêbado, na altura de Bonsucesso. Ele morreu, embaixo de uma passarela, com 22 anos e um sofrimento tão grande na alma que não o permitia amar ninguém. Nem minha mãe. Nem a mim.
Minha mãe não chorou a morte dele. Aliás, ninguém lá em casa chorou. Minha avó lamentou muito e mandou rezar uma missa a qual nossa reduzida família foi, vestida de preta e de cabeça baixa. Lembro que estava chovendo muito e o rio estava prestes a transbordar. O que sempre acontecia entre os meses de setembro e fevereiro.
Com cinco anos, vim passar minhas primeiras férias de verão com minha mãe. Só nós duas no Rio de Janeiro. Chorei de medo quando me despedi da minha avó na rodoviária. Chorei de saudade antecipada.
Se minha mãe soubesse ou parasse de fingir que não via minha cara inchada quando ela chegava exausta de um plantão, talvez ela tivesse me trago de volta. Passei três meses sozinha, trancada num apartamento. Assistindo desenhos e jogando fora os pratos do almoço e do jantar que ela deixava preparado, para que não brigasse comigo por não sentir fome.
Ser independente. Assim como ela era.
Eu ouvia isso todos os dias, em todas as oportunidades.
"Ser como ela."
A filha primogênita (até então. Depois, virei a única.) de Nelinha tinha que ser a cópia exata dela: a melhor aluna do colégio, a melhor confidente das amigas, a criança mais educada do bairro. A filha dela tinha que ter seu nome registrado naquela população medíocre como um futura grande mulher.
Tirar uma nota 09 em Português era inaceitável aos sete anos. Em Matemática então, um 06 era motivo suficiente para uma crise nevosa em pleno pátio da escola primária.
Não brinque na rua.
Não fale com estranhos.
Nunca responda às suas madrinhas.
Não fale junto com os adultos. Nunca na sala de aula.
Não falte às missas do Padre Pedro, aos domingos.
Recuse educadamente, tudo o que oferecerem a você.
Não estrague seu uniforme.
Decore a taboada.
Coma tudo o que estiver no prato. "Abra a boca, engula e não discuta."
Estude de uma da tarde ás seis da noite todos os dias, inclusive sábados e domingos.
Durma às nove da noite.
Não se atrase.
Eram tantos os cuidados. Tantas as pequenas regras de bom comportamento que eu passava as horas em casa, sentada embaixo da mesa da sala de estar. E na maioria dos lugares onde me levavam eu sempre me 'fantasiava' de moita e ficava quietinha num canto. Por três anos, eu fui invisível.
Com dez anos fiz minha primeira e única amiga e, confesso, senti muita inveja daquela família complicada que ela tinha que a gritava o dia inteiro, puxava sua orelha e reclamava porque a sala estava uma bagunça.
As tardes naquela varanda são inesquecíveis! Os teatrinhos, os grupos de estudo , as sessões de karaokê, as competições no Atari... Pra desespero das minhas madrinhas, eu passava as tardes na casa da vizinha. E antes do ano acabar, minha mãe apareceu numa tarde e me proibiu de voltar lá. Entrei no colégio de freiras.
"Para ter uma educação melhor", eu vivia emtre duzentas meninas e vinte e cinco freiras. Um grande silêncio que durava as cinco horas que eu passava ali dentro. Quando fiz onze, entrei para o semi-internato: das sete da manhã às sete da noite, todos os dias da semana. Só me restavam os dias santos e, mesmo assim, tinha que ir às missas e vigílias lá. Vestida com uma saia de tergal azul pregueada abaixo dos joelhos, cabelos presos num coque e com a blusa de inverno do uniforme, comecei minha preparação para o noviçado.
Como as crianças são cruéis quando querem! Eu era a "freirinha" do colégio e ninguém queria nem falar com uma freira. Quanto mais uma freira com a idade delas.
Não perca o horário das orações.
Ajude no Oratório aos sábados.
Trabalhe na cozinha, ajudando no almoço.
Vá a Biblioteca todos os dias.
Fale apenas o que for estritamente necessário.
Não ande pelo centro do corredor: isso é soberba.
Fique sempre de cabeça baixa quando um superior estiver diante de você.
Mais regras. Mais tristeza. Alguma apatia. Alguma rebeldia.
Com doze e meio, saí do semi-internato. "Falta de vocação para o hábito", dizia a Madre Superiora para minhas madrinhas. "Como isso é possível?", elas se perguntavam.
Foi o primeiro passo para minha liberdade. E ir ao shopping com a Patrícia num sábado à tarde era a glória das glórias!
Como eu precisava de pouco para ser feliz!
Sair do colégio ao meio-dia, passar pelo Mercado para comer um pastel de queijo e tomar um caldo de cana com meu avô, almoçar em casa e ir pra casa da Patrícia estudar, ouvir música ou me aventurar na cozinha até as nove da noite. Depois, ir pra casa, tomar um banho, jantar e dormir. Simples.
Lembranças de uma infância...
O cheiro de laranja lima na porta do Mercado. O sorvete de massa na esquina do colégio. A troca de papel de carta na escadinha da travessa. O bolo de chocolate que rescendia a ovo. O futebol dos meninos, nas coroas do rio. O volei no terreno ao lado. Os bonés do meu avô. O cais. O atravessar da ponte duas vezes, todos os dias. A oração do Anjo da Guarda. A missa das oito nos domingos e o saco gigantesco de pipoca depois. As novenas e ladainhas da D. Mocinha. O corredor comprido que eu atravessava correndo quando ouvia a campainha tocar. O pé carregado de jabuticadas no meio do quintal. A ária cheia de plantas e marimbondos onde ficava lendo até escurecer. As grandes portas de madeira, pintadas de amarelo claro. As janelas abertas de par em par. O macarrão com frango ensopado em todos os domingos. O cheiro de alfavaca pela cozinha. O pão merenda da padaria do Jamil. A Brasília branca. Os pirulitos e balas Juquinhas do bar do Carlinhos. O arroz-feijão-carne moída-e-banana d'água dos almoços no sofá preto da sala. Minha avó cochilando na cama durante a oração da tarde com o terço nas mãos. Minha madrinha espanando os móveis. Os pés de cajá da D. Nina.
Coisas que o tempo me fez deixar pra trás e a mágoa me fez esquecer.